A venda de tadalafila é quase 20 vezes maior agora do que há dez anos no Brasil, segundo um levantamento exclusivo obtido pelo g1. Para ter uma ideia, de cada 1 comprimido que era vendido antes, hoje são 20. Só em 2024 foram vendidas 64 milhões de unidades do medicamento – um recorde. (Veja os dados abaixo)
Nesta semana, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a venda da Metbala, uma gominha à base do medicamento que vinha sendo divulgada por um influenciador. O produto ajuda a explicar a alta no interesse pela “tadala” no país, puxada justamente pelo hype nas redes sociais, onde ganhou fama de recurso para “turbinar” o sexo e até promessas de que poderia aumentar o tamanho do pênis – o que não é verdade.
A tadalafila é um medicamento usado para tratar a disfunção erétil e está no mercado desde os anos 2000. Ela veio para substituir a sildenafila, o popular viagra, com ação prolongada e menos efeitos colaterais.
O medicamento saiu de um tabu para o destaque das prateleiras nos últimos anos, com vendas recordes. Segundo o levantamento da Anvisa a pedido do g1, o número saltou de 3 milhões de unidades vendidas em 2015 para 64 milhões em 2024. (Veja abaixo)

Os números mostram apenas os remédios à base de tadalafila produzidos por farmacêuticas e não incluem o mercado de medicamentos manipulados. Ou seja, o volume pode ser ainda maior.
As redes sociais ajudam a explicar esse aumento. São milhares de vídeos de jovens e adolescentes contando que usam a “tadala”, como foi apelidada, antes de dates, de qualquer sexo e às vezes todos os dias. O medicamento virou até música, com o refrão: sabe qual é o segredo para aguentar a noite todinha? Tadalafila.
A “tadala” é vendida sem retenção de receita. Com o fácil acesso, as farmácias relatam vender dezenas de caixas por dia. Segundo especialistas, estima-se que o país tenha cerca de 16 milhões de homens com disfunção erétil, e a fama do remédio ajudou quem tinha a doença, mas sentia vergonha de se medicar ou buscar ajuda.
A disfunção erétil é uma doença que se caracteriza pela dificuldade de ter ou manter uma ereção satisfatória para a penetração. A doença é diferente de episódios em que não se consegue ter uma ereção. A frequência é que determina a doença.
No entanto, o número de diagnósticos não cresceu a ponto de acompanhar a alta nas vendas. Com isso, o que médicos e psiquiatras explicam é que os dados revelam a insegurança de homens e a pressão pela performance no sexo.
“As pessoas não estão levando em conta a dependência psicológica que é achar que só vai conseguir ou que só vai ter um sexo bom se tomar o remédio. Estão mascarando a insegurança no sexo desde o começo da vida sexual. Isso pode favorecer uma disfunção no futuro, porque sexo também é emocional”, Eduardo Miranda, urologista e coordenador da Disciplina de Medicina Sexual da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
Como a tadalafila age no corpo?
A tadalafila é uma substância vasodilatadora usada para o tratamento da disfunção erétil. Na doença, o corpo dá respostas que suspendem o fluxo de sangue no pênis e ele não fica ereto o suficiente.
É aqui que entra a ação da tadalafila: ela aumenta o fluxo sanguíneo e, com isso, permite que o pênis consiga ficar ereto.


Por que homens estão usando tadalafila?
No Brasil, 16 milhões de homens podem sofrer com a disfunção erétil, segundo a Sociedade Brasileira de Urologia. A doença nada mais é do que a dificuldade de ter ou manter uma ereção satisfatória para a penetração.
Isso pode acontecer por problemas físicos, como mudanças hormonais e doenças como o câncer de próstata, entre outras. Ou por questões emocionais. O que diferencia a doença de um caso corriqueiro – em que a pessoa não consegue ter uma ereção – é a frequência.
O urologista Eduardo Miranda cita que houve um aumento no número de diagnósticos de disfunção, justamente porque se fala mais sobre a doença. No entanto, os números não acompanham o crescimento nas vendas de tadalafila no país. Ou seja, não é um aumento proporcional à demanda por pacientes.
O que ele aponta é que os dados revelam um comportamento: os homens estão usando a tadalafila como recurso para evitar os problemas de ereção que são naturais. Afinal, o sexo é emocional e é preciso uma junção de fatores para que tudo dê certo na hora H.
Se às vezes você não consegue manter uma ereção em um encontro, depois de um dia cansativo ou em um momento de estresse ou ansiedade, isso é normal e não precisa de medicação.
“É preciso de um alinhamento de expectativa. Muitas vezes, a base desse homem é a pornografia e acha que o referencial é aquilo que se vê nos vídeos. Só que tudo ali é editado e não é a realidade. Se essa for a referência, o homem vai sempre estar insatisfeito com a sua performance”, Eduardo Miranda, urologista.
A psiquiatra, especialista em sexualidade e professora da medicina da USP, Carmita Abdo, explica que o hype da tadalafila reflete a insegurança do homem em seu papel social diante das mudanças nas relações. Entre os pontos, ela cita:
- O medo da comparação, já que não é mais o único parceiro.
- O medo da exposição, já que agora mulheres podem falar sobre sexo e homossexuais têm liberdade de viver sua sexualidade e, com isso, falar sobre suas trocas.
- O reforço da imagem de poder do homem, baseada em uma sociedade ainda machista, em que ele não pode “falhar”.
- A dificuldade de expor suas vulnerabilidades e se abrir nas relações. Com isso, é melhor se medicar do que ter que conversar, caso não queira transar ou não consiga.
- No caso de adolescentes, a insegurança com o sexo e a dificuldade de esperar o tempo para ganhar experiência.
- A dificuldade para os jovens que começaram a vida sexual na pandemia com o sexo virtual de, agora, mostrarem uma performance.
“O homem acaba agindo para a proteção da sua reputação com medo de ser comparado ou de expor uma fragilidade, caso não consiga concluir o ato. É uma resposta para a mudança de paradigma que tivemos em que eles não são a única referência de experiência no sexo e ele não quer se sentir inferior”, explica Abdo.
O médico psiquiatra e coordenador do Programa de Mudança de Hábito e Estilo de Vida (PROMEV) da USP, reforça que se medicar sem apoio médico e sem entender de onde vêm as inseguranças pode agravar o problema.
“Não há tratamento medicamentoso para a insegurança. O remédio não conversa com a gente para entender o que está acontecendo e ajudar. Ele pode mascarar o problema e, quando isso acontece, ele tende a crescer com o tempo, podendo se tornar algo muito maior lá na frente”, Arthur Danila, psiquiatra que pesquisa o comportamento humano.
Como isso afeta o sexo
Nas redes sociais, a ideia que se vende é a de que o sexo com tadalafila é muito melhor. Mas é preciso cuidado com esse discurso, segundo urologistas e psiquiatras.
Carmita Abdo, especialista em sexualidade, explica que, quando a performance está garantida, um problema está resolvido: o da autoconfiança para se envolver no sexo. Mas há uma outra questão: a preocupação genuína com a satisfação do outro.
“Conseguir a ereção no tempo que deseja não garante que a outra pessoa saiu satisfeita daquela relação. O que pode acontecer é que essa autoconfiança pode roubar o lugar da troca”, explica.
A especialista também reflete sobre os impactos disso em adolescentes, que estão desenvolvendo a vida sexual. Eles são mais vulneráveis à insegurança e à busca por soluções rápidas, o que pode comprometer a vivência da troca na experiência sexual.
“Eles não estão se descobrindo de forma natural, criando suas próprias referências de si mesmo. Eles correm o risco de estarem performando e isso impede que eles vivam a troca de intimidade que cria a experiência sexual”, explica.
O urologista Eduardo Miranda afirma que a tadalafila não é viciante, mas que o efeito e a sensação de segurança podem se tornar uma bengala emocional, criando dependência. E isso pode ser um gatilho para a disfunção erétil. Ou seja, quem não tem o problema pode vir a desenvolvê-lo.
“A tadalafila não é uma pílula mágica que vai resolver todos os seus problemas. Se a pessoa não tratar a causa raiz, que pode ser uma disfunção ou uma insegurança, que é uma questão de saúde mental, o problema vai continuar”, Eduardo Miranda, médico urologista.
O psiquiatra Arthur Danila ressalta que o sexo também é emocional e que o uso inadequado de medicamentos para ter relações pode tornar o ato algo mecânico e privar as pessoas da chance de fazerem conexões genuínas.
“Acho que, para o sexo acontecer, a entrega precisa ser completa – dos dois lados. Se a pessoa já entra na relação ‘blindada’ com a tadalafila, ela não se entrega por completo. Está mecanicamente performando, mas emocionalmente deixa de se entregar – inclusive nas limitações e falhas que fazem parte da vida e que nos conectam com o outro”, explica.
Mitos e verdades sobre o medicamento
Nas redes sociais, ele não é divulgado como tratamento para disfunção, mas como um potencializador. Uma “pílula mágica” que abriria um portal capaz de aumentar o tempo de ereção, o tamanho do pênis e a frequência do sexo em intervalos curtos – tudo isso sem qualquer efeito colateral.
O urologista Eduardo Miranda explica que muitas dessas promessas não têm relação com a realidade. Veja abaixo:
Tadalafila aumenta o tempo de duração da ereção?
Apesar das centenas de vídeos de homens dizendo que, com a tadalafila, aguentam mais de 40 minutos de sexo, o médico explica que o medicamento não é capaz de prolongar o tempo de ereção até a ejaculação.
Segundo ele, o que acontece é que, como o remédio garante que o pênis fique ereto com firmeza suficiente, o homem se sente mais seguro e relaxado durante o ato.
“A pessoa consegue focar no prazer sem precisar ficar controlando se o pênis está ereto ou não, não gera a ansiedade que pode fazer com que termine mais rápido”, explica.
E o médico alerta: é preciso cuidado com o referencial. O tempo médio natural de ereção até a ejaculação, em homens sem disfunção, é de cinco a seis minutos.
“A gente quer que a doença de disfunção erétil não seja um tabu porque o tratamento pode dar qualidade de vida para as pessoas. Mas é preciso estar alerta para não desnaturalizar o que é natural. Perder a referência de si, e isso pode trazer inseguranças, ansiedade, que são gatilhos para disfunção”, explica Bertero.
Tadalafila aumenta o tamanho do pênis?
A resposta é direta: a “tadala” não é capaz de aumentar o tamanho do pênis. Como vasodilatadora, ela aumenta o fluxo de sangue na região ao longo do período de efeito – que pode durar até 36 horas – e isso pode dar a impressão de aumento.
“A pessoa pode sentir um aumento no volume na roupa, por exemplo. Isso porque, mesmo flácido, vai ter mais volume de sangue na região e causa essa impressão”, explica o médico.
Mas é importante não perder de vista o referencial. O tamanho médio do pênis do brasileiro, ereto, é de 13,12 centímetros. Um número dentro dessa média – pouco mais ou pouco menos – é completamente normal.
O remédio torna possível transar mais em um intervalo menor de tempo?
O médico explica que a tadalafila diminui o tempo de recuperação, que normalmente varia de 30 minutos a uma hora. Ou seja, assim que uma transa termina, é possível emendar outra com mais facilidade.
Não tem efeito colateral?
A tadalafila é, de fato, um medicamento com poucos efeitos colaterais. Diferente de outras pílulas, que traziam riscos maiores, como ataques cardíacos, ela é considerada mais segura.
O uso da tadalafila pode causar:
- Dor de cabeça, dor nas costas, rubor facial, dores musculares, congestão nasal e indigestão;
- Efeitos graves como priapismo, perda de audição ou visão, queda de pressão arterial e eventos cardiovasculares.
É contraindicada para:
- Pacientes que utilizam nitratos (para angina, por exemplo);
- Indivíduos com doença cardíaca que contraindique atividade sexual;
- Pessoas com hipersensibilidade à substância.
O principal cuidado, segundo o médico, é o risco de uma dependência emocional – a crença de que só é possível transar com a ajuda do comprimido.
“A disfunção pode ter uma raiz física, alguma questão em que o homem não consegue manter o pênis ereto, ou emocional. A falta de confiança em que vai conseguir, a ansiedade, podem fazer com que a pessoa, de fato, não consiga. O uso disso a longo prazo, principalmente no começo da vida sexual, é um risco”, explica o médico.
Há registros de que alguns pacientes relataram complicações na visão e audição. Um dos casos, publicado na revista científica “Nature”, uma das mais importantes do mundo, descreve um homem que teve uma neuropatia óptica isquêmica anterior – algo como um AVC nos olhos – e perdeu parte da visão.
(G1)
(Foto: Reprodução/TV Globo)