Um homem simples, de linguagem caipira e um grande astral, que aos 83 anos de idade sobrevive de trabalhos manuais e da própria força. Assim é Manoel Alves dos Santos, ou simplesmente ‘Mané Poceiro’, um baiano nascido na cidade de Jacaraci em 1 de abril de 1939, e que decidiu ‘buscar a sobrevivência’ no Estado de São Paulo quando tinha 49 anos, primeiro em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, e depois na água do Balaio, zona rural de Cândido Mota.
“Eu tinha familiares aqui em São Paulo e decidi também mudar pra cá. Primeiro vim sozinho. E depois fui buscar a família pra tentar uma vida melhor pra todos”, conta seu ‘Mané’ ao falar de quando se mudou sozinho para a cidade da Grande São Paulo e depois retornou à Bahia buscar a esposa Adinise e os filhos, e trouxe todos para morar em Cândido Mota. Dos nove filhos, seis vieram com o casal no ‘pau-de-arara’ do interior da Bahia até São Paulo e depois de trem até Cândido Mota. Em solo cândido-motense o casal teve mais três filhos. Dos nove (José, Maria, Tereza, Cleuza, Ivani, Adão, André, Robson, Evandro), dois já faleceram (André e Tereza).
“Quando cheguei em São Bernardo do Campo, trabalhei em cemitério como coveiro, e em muitas propriedades usando foice e martelo por algum tempo”, disse. Mas, sozinho em terras paulistas, ele decidiu não permanecer na solidão. Foi só quando teve a certeza de que poderia trazer a esposa e os filhos é que retornou ao interior baiano buscar a família. “Tinha dois cunhados, irmãos da minha esposa, aqui em Cândido Mota. E eles me chamaram pra vir pra cá também. Aí fui buscar todos e mudamos para cá. Fui trabalhar em um sítio na água do Balaio. Era trabalho pesado mesmo, carpindo roça, plantando e cuidando da terra”, lembrou seu ‘Mané’.
Ao se mudou pra Cândido Mota, seu ‘Mané’ deixou na Bahia os pais José Alves dos Santos e Tintina Maria de Jesus e vários irmãos e sobrinhos, que até hoje ainda moram por lá, nas cidades de São José, Águas Quentes e Espinosa. Depois que estabeleceu residência em Cândido Mota, ele voltou a Bahia duas vezes, para rever os parentes; a última, há mais de 10 anos. Em Cândido Mota, ele tem uma irmã, hoje com mais de 100 anos, que mora na vila São Judas Tadeu.

Raízes
Depois de algum tempo, o baiano de sangue, mas coração de cândido-motense, decidiu partir pra trabalhar ‘por conta’. “Tinha um senhor, o seu Raulzinho, que me chamou pra trabalhar com ele no corte de árvores e perfuração de fossas e poços de água. E logo vi que era daquilo que eu gostava. Comecei com aquele trabalho e nunca mais parei”, relembra, destacando que chegou a fazer poços de água com mais de 30 metros e fossas de cinco metros de profundidade. “Fiz e ainda faço isso utilizando ferramentas manuais e simples”, ressalta.
Todas as ferramentas que ele utiliza são adaptadas para esse tipo de trabalho. Ele tem uma cavadeira de ferro maciço, uma mini pá e tambores de ferro. E nada de motores e tecnologia. “Tudo o que faço é na experiência. É assim pra saber onde tem água pra iniciar um poço ou definir um local adequado, que não faz mal pra natureza, para criar uma fossa. Faço tudo só com o meu faro de quem trabalha com isso há mais de 70 anos”, disse.
Além da rotina de perfurar poços e fossas, seu ‘Mané’ tem ‘um segundo turno de trabalho quase todos os dias e nos finais de semana. “Saio das propriedades perto das 17h e meu filho me deixa em casa. Logo depois pego minha enxada e vou nos terrenos que faço manutenção na cidade. E ainda, trabalho em uma horta particular, cuidando dos canteiros e alimentando a população. É tudo o que gosto de fazer”, frisa.
E prossegue: “Sou um homem feliz e realizado por tudo o que já fiz e pelo que ainda consigo fazer, apesar de já estar com algumas dores em várias partes do corpo, principalmente nas costas”. Mas mesmo assim, e usando apenas uma corda presa abaixo da barrida, ele desce, com o apoio do filho Adão e da nora, a mais de 10, 15 e até 20 metros metros, para executar o trabalho. “Ainda tem muita gente que me chama para fazer poço e fossa. São pessoas que confiam no meu trabalho e na maneira como trato todos e respeito a natureza”, destaca.

Sucessão
A sucessão de seu ‘Mané’ tem nome. O filho Adão, de 49 anos, segue os passos do pai e se reveza com o pai nas propriedades das cidades da região para levar ‘água pura’ para as pessoas. “Eu tenho um grande orgulho do meu pai, de tudo o que é, daquilo que conquistou e da forma como encara a vida, mesmo aos 83 anos. Sou realizado por trabalhar com ele e estar todos os dias ao seu lado”, emociona-se o filho, que, ao lado da esposa, também sobrevive dos trabalhos manuais.
Além do trabalho e da família, seu ‘Mané Poceiro’ tem outra paixão; os amigos. E tem muitos; grande parte através dos bate-papos de fim de tarde nos bares da cidade. “Tem uma coisa que não deixo de fazer, que é ter um novo amigo a cada dia. Tenho muito amigos, pessoas que estão comigo e que caminham comigo pela vida”, conta. Ele é apaixonado por cachaça e não abre mão de uma cerveja a cada intervalo, quando sobe dos poços para um descanso. “Cheguei a beber dois litros de pinga por dia. Agora, só tomo uma com limão por dia, depois do trabalho”, pondera.
No trabalho, nada de água pra beber. E muito menos remédio pra aliviar as dores nas costas. O medicamento é outro, ‘muito melhor’, como faz questão de frisar. “Dá um remedinho pra mim”, pede à nora. Trata-se de uma cerveja, que degusta como algo ‘muito especial’. Bebe uma latinha (‘só uma’) e retorna à corda, para seguir a rotina de descer e continuar perfurando o buraco em busca de minas subterrâneas para preencher o poço com o ‘líquido precioso’ e trazer alegria a mais uma família. “Quando estou lá embaixo, só penso no momento em que vou encontrar a água. E quando começo a ouvir o ‘barulho’ da mina e sentir o ‘cheiro’ da água, fico mais animado. A alegria se completa quando a água começa a me molhar. É mais uma vitória, é vida que segue”, alegra-se.
Natureza
O que tira seu ‘Mané’ do sério é saber que o homem explora a natureza sem qualquer carinho e medo. “Infelizmente, o homem é uma criatura que quer acabar com tudo. A natureza que Deus nos deu está aí. Precisamos saber usar ela. Mas a maioria não sabe fazer isso corretamente. Corta árvores sem necessidade e perfura poços sem qualquer cuidado. É o fim da picada! Eu faço o trabalho com muito carinho e zelo. Sei que a água é um bem precioso e que, pode até não acabar’, mas mais ralear muito. Como já está acontecendo. Se o homem não tiver consciência, infelizmente ele mesmo vai se acabar na sua própria ganância”, resume seu ‘Mané’.
Ao final de mais uma temporada, seu ‘Mané’, o filho Adão e a nora terminam mais uma jornada, deixando pra traz um legado; a certeza de que a vida vai seguir seu fluxo normal, com água limpa e mais uma família feliz. “É sempre assim; depois de três, quatro dias, uma semana ou duas semanas, partimos para mais um desafio, que é encontrar a água no mundo secreto que temos abaixo de nós. Mas deixamos sempre a certeza de que a vida segue, pois água é vida. Sem ela, não podemos sobreviver”, completa, admitindo que a cada dia está mais próximo da aposentadoria. “Daqui pra frente quem vai continuar será o Adão, ao lado da sua mulher. Eu devo parar logo. Já está na hora de ficar quietinho em casa”.